Baseado na fábula de Esopo e tendo como pano de fundo a obra de Prokofiev, o espectáculo conta-nos a história de Pedro, um típico rapaz da cidade, que vai passar as férias a casa do avô, na aldeia.
Entediado com a vida no campo, Pedro decide divertir-se à custa dos aldeãos. Para isso, inventa que viu um lobo perto do rebanho e grita por socorro. Os aldeãos acodem, mas afinal é tudo mentira.
O pior é quando o lobo aparece de facto e cumpre a sua natureza.
É a vez de Pedro demonstrar a sua coragem. Como qualquer outro rapaz da sua idade, compreenderá então, à sua própria custa, a importância de respeitar os outros e também os animais.
Palavras do encenador
Não é a primeira vez que temos o lobo como personagem de uma peça nossa.
“O Capuchinho Branco Sujo” estreada em 1995, uma versão actualizada do “Capuchinho Vermelho”, onde o lobo surge como protagonista de parte essencial da história, foi a nossa primeira transposição para teatro personificando um animal que faz parte da mitologia mundial pelas sensações que transmite de sua força, astúcia, sentido gregário, ferocidade e sentido de liberdade.
Há muito que se passeava na minha cabeça uma versão sobre o “Pedro e o Lobo”, de Serguei Prokofiev. Uma história que se entranha na terra dos mitos e dos tabus onde o Lobo é o demónio, a encarnação do mal.
Há medida que a ideia ia germinando, divertia-me a perguntar a várias pessoas que conhecia e que me garantiam conhecer o tema, qual era afinal a história de “Pedro e o Lobo”?
A esmagadora maioria das pessoas responde a esta pergunta, afirmando que esta é a história de um menino que tantas vezes repete a mesma mentira, que ninguém acredita nele quando diz a verdade.
Pois bem! Esta, falando francamente, não é a história de “Pedro e o Lobo”. Esta história assim contada é do grande fabulista chamado Esopo, um escravo culto, que viveu na Grécia há milhares de anos. Chama-se “O Pequeno Pastor e o Lobo”, e tem uma moral substancialmente diferente do “Pedro e o Lobo” revelado por Prokofiev, músico do séc. XX, que ilustrou sonoramente e de maneira soberba este título, e que conta a história de Pedro, que contra a vontade do avô, afasta-se de sua casa e entra na floresta acabando por se meter em várias embrulhadas.
Enquanto Esopo efabula sobre a mentira, Prokofiev debruça-se sobre a transgressão e a desobediência. Características averbadas ao género humano.
Então qual é a história de “Pedro e o Lobo” que merece ser dramatizada por nós? As duas!
Assim, deste enleio, veio-me à ideia misturar o enredo dessas duas narrativas personificadas. E já agora, um tudo nada para além da moralidade pespegada nas histórias.
Uma fábula grega e milenar e uma russa, espalhada pelo mundo no século passado, protagonizadas por um personagem português, universal e intemporal, Pedro Malasartes, forjam uma história simples, poética e sem grande palavreado, onde recorremos aos sons mais simples e musicais, que são os sinais que por excelência permitem a comunicação.
Assim se constrói esta trama. Historial, musical e minimal, onde se coloca em cena a necessidade de harmonia que tem de presidir às relações humanas, em conformidade com o ambiente que nos rodeia.
O texto e acção, que decorre através da contaminação operada entre uma ideia de um artista moderno e a de um filósofo da antiguidade grega ganhou, durante o processo, muito mais peso. À medida que se foram compondo os temas originais desta peça, decidimos que a própria música de Prokofiev seria usada apenas como inspiração, e que nos serviria de ponte às influências de sonoridades da música popular e tradicional de quem sentimos necessidade.
E o que resulta desta conjugação é uma viagem iniciática pelo crescimento onde nem sempre os valores estabelecidos são os mais acertados, mas que sem eles, como resguardo da memória, podemos perder as referências humanistas do passado.
Biografia de Esopo
Fabulista grego do século VI a.C.. O local de seu nascimento é incerto — Trácia, Frígia, Etiópia, Samos, Atenas e Sardes, todas clamam a honra. Eventualmente morreu em Delfos. Na verdade, todos os dados referentes a Esopo são discutíveis e se trata mais de um personagem legendário do que histórico. Ao que tudo indica, viajou pelo mundo antigo e conheceu o Egipto, a Babilónia e o Oriente. Concretamente, não há indícios seguros de que tenha escrito qualquer coisa. Contaria as suas histórias para o povo que se encarregou de as repetir. Só muito anos após a morte de Esopo é que as fábulas a si atribuídas foram reunidas. Foi-nos então legado um conjunto de pequenas histórias, de carácter moral e alegórico, que sugerem normas de conduta, exemplificadas pela acção dos animais (mas também de homens, deuses e mesmo coisas inanimadas).
Esopo, partia da cultura popular reflectindo constantemente um carácter realista e irónico, transmitindo-nos as suas moralidades populares, como uma lição de inteligência, de justiça e de sagacidade.
Biografia de Serguei Prokofiev
Serguei Prokofiev nasce a 1891 em Krasne, Rússia. Filho único nascido de um casamento entre uma mãe pianista e de um pai engenheiro agrónomo, Prokofiev demonstrou muito cedo invulgares dotes musicais e quando aprendeu a base teórica musical necessária, dedicou-se à experimentação, definindo o que seria o seu estilo musical.
As suas primeiras obras valeram-lhe uma má fama como músico contra a linha nacionalista russa. Em 1914 termina o curso do Conservatório em São Petersburgo com as mais altas classificações. Faz uma viagem a Londres, onde contacta com Serguei Diaguilev e Igor Stravinsky. Durante a Primeira Guerra Mundial compõe a ópera “O Jogador”, com base na obra homónima de Fiodor Dostoievski. A estreia foi cancelada devido à Revolução Russa de 1917. De 1918 a 1936 viveu fora da Rússia, realizando tournées como pianista nas quais interpretava obras próprias.
De volta à Rússia, Prokofiev, continua a compor sobre a mesma linguagem musical e as suas obras demonstram uma extraordinária criatividade. Entre estas obras destacam-se a famosíssima “Pedro e o Lobo” para um narrador e orquestra, “Romeu e Julieta”, a ópera “Guerra e Paz” e a cantata “Alexandre Nevski” para o filme homónimo do realizador soviético Serguei Eisenstein.
Em 1948 compõe “Conto de um homem autêntico” e quatro anos mais tarde, com a “Sinfonia n.º 7”, recebe o prémio Estaline.
Serguei Prokofiev morreu em Moscovo em 1950 no meio dos ensaios para o seu bailado “A Flor de Pedra” que foi levado à cena em 1954.
Aconselhamos a leitura: “Lobos Ibéricos” e “Ibéria Selvagem” – Editora Má Criação
Aconselhamos a consulta: Site Centro Recuperação do Lobo Ibérico – http://lobo.fc.ul.pt